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Adeus a Tarcísio Maeira

Tarcísio Meira interpretou papéis marcantes no cinema, no teatro e na televisão

Foram mais de 60 anos de carreira, com papéis marcantes no cinema, no teatro e na televisão.

Tarcísio se foi horas depois do colega Paulo José.

“Para encontrar o céu, às vezes, é preciso percorrer os caminhos mais estranhos. Eu que o diga”, disse, em cena, Tarcísio a Paulo José.

Se for para homenagear as estrelas, a vida até segue o roteiro da arte.

“Adeus”, disse Paulo José. “Um dia nos veremos lá”, afirmou apontando para o céu.

“Mais cedo do que você pensa”, respondeu Tarcísio.

Um ator desse tamanho, quando sai de cena, leva muitas “almas” com ele: Dom Jerônimo, o patriarca Giuseppe Berdinazzi, Capitão Rodrigo, Renato Vilar, o cangaceiro Hermógenes, Euclides da Cunha, Dom Pedro I, sem nunca deixar de ser João Coragem – todos personagens da nossa própria história.

“Tão presentes, tão fortes na cabeça das pessoas. Ainda hoje tem gente que me chama de João Coragem. João coragem foi em 1969, 1970. Faz tempo à beça, não é? E tem gente que ainda hoje me chama de João Coragem: ‘Olha o João Coragem aí”, contou Tarcísio em entrevista à GloboNews.

É que é difícil esquecer um dos maiores sucessos em preto e branco da TV. Em 1970, um dos capítulos de “Irmãos Coragem” foi mais visto do que a final da Copa do Mundo, em que o Brasil foi tricampeão contra a Itália.

“Eu me formei junto com a televisão. A televisão foi andando, e eu fui andando junto. Isso é gostoso. Eu acho que eu sou um dos poucos que foi andando junto com a televisão”, disse.

Com vocação para galã, desde a primeira telenovela brasileira, esse ator se casou para sempre. Juntos por 59 anos, Tarcísio e Glória protagonizaram um amor de sucesso. Que começou onde mais? No bastidor do espetáculo.

“Eu conheci Glória, em 1961, no teatro. Eu estava exatamente assim. Aqui nós temos uma tela. No teatro, o palco. Aí, de repente, vi Glória Menezes passar: ‘Aí, que mulher interessante, mulher bonita. Se ela foi para lá, vai voltar para cá, eu vou ficar de olho’. Vi ela ir, vi ela voltar. Gostei muito. Perdi de vista por alguns meses, e um dia fomos trabalhar juntos”, relembrou Tarcísio.

Logo deu certo. Com a principal coadjuvante, Tarcísio estreou na Globo. Era 1967, na novela “Sangue e Areia” de Janete Clair. Para o público, foi sempre amor à primeira vista.

“Fazíamos as cenas aqui no terraço da TV Globo. Montávamos a arena com a arquibancada, com Dona Sol de Alcântara, linda lá, maravilhosa, muita figuração, e eu enfrentando o touro ali, pegando o touro. O touro era cabeça de boi montado em cima de uma rodinha de bicicleta, mas era uma coisa muito bacana e muito convincente”, explicou.

O casamento com Glória deu frutos na tela e fora dela. Tarcísio Filho seguiu a profissão que aprendeu ainda pequeno, assistindo os pais.

“Eu acho que eu tenho mesmo muita sorte com as mulheres. Elas dizem que eu pareço aquele ator de novela… ‘Como ele chama mesmo? Aquele lá… Aquele rapaz…Tarcísio Filho’”, brincou Tarcísio em uma cena.

“Eu não sei nem traduzir o que é o nosso amor. É uma coisa tão diferente, né, bem?”, disse Glória.

“Especial”, respondeu Tarcísio.

“Eu tenho uma necessidade de estar perto dele. Eu preciso dele, e ele precisa de mim. Amor meu. Já tenho o meu jeito de chamar, já tenho um jeitinho, amor meu, amor meu”, continuou Glória.

“Querida amada”, disse Tarcísio.

O cenário preferido de Tarcísio era a fazenda. Um papel que revelava muito do ator.

“É um lado que eu não gostava, eu não gosto de mostrar. Tenho um certo pudor de mostrar. Porque, na verdade, não sou o especialista, procuro saber, me informar, me cercar das pessoas que mais conhecem as coisas, me aconselhar, e errar o mínimo possível. E tenho acertado muito, graças a Deus”, afirmou.

Esse ator não tinha medo de estreia. Já era consagrado na TV quando se arriscou em tela maior. Com Glauber Rocha, fez o último filme do cineasta: “A Idade da Terra”.

No mesmo ano, não se intimidou com “o beijo no asfalto” em Ney Latorraca – um espanto para a época quando emprestou o corpo para o personagem de Nelson Rodrigues.

Foram 60 trabalhos na TV, 22 longas no cinema, 31 peças de teatro.

“Eu convivi intimamente durantes meses com muitos personagens diferentes de mim e que me enriqueceram como pessoa. Exercitaram a minha sensibilidade, a minha maneira de encarar as pessoas, o mundo, os acontecimentos, e com certeza somaram muito, sabe? Acrescentaram muito a eu próprio, muito mesmo. E eu espero que tenha acrescentado às pessoas para quem eu dirigi o meu trabalho. Aliás, eu tenho certeza que acrescentou”, contou Tarcísio.

Personagem imortal da dramaturgia brasileira, Tarcísio Meira pouco pensava na morte.

“Eu não mudei ou, pelo menos, eu procuro não mudar. Eu procuro esquecer que os anos estão passando. Eu planto uma árvore esperando vê-la daqui 30 anos ou 40 anos, por exemplo. Eu não tenho a preocupação de ‘Eu não vou ver’. Eu acho que eu tenho que esquecer. E procurando conviver com os dissabores da idade porque há dissabores. Esse negócio de melhor idade é um blefe”, disse.

Foi a televisão que fez a fama desse grande intérprete, mas Tarcísio Meira aprendeu o ofício de uma vida no teatro e nunca deixou de voltar ao palco. Quem contracenou com ele, fala de um ator talentoso, generoso, que sempre colocou o personagem a frente dele. Quem pode ver, de tão perto, ainda escuta a voz poderosa que alcançava a última poltrona e sente a presença que hipnotizou tantas plateias até o aplauso final.

Foi em um palco, em janeiro de 2020, que as cortinas se fecharam pela última vez para um dos maiores atores brasileiros.

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